A proposta de avaliação como
processo muitas vezes intimida nossa ação cotidiana na docência. Contudo, essa
proposição nada mais é do que uma sistematização conceitual do que fazemos no
dia a dia, na sala de aula, e que na cultura docente não foi autorizado a ser
registrado, devido nossas infrutíferas tentativas positivistas de sermos
neutros, num eterno medo de confundir nossas subjetividades com uma avaliação
pretensiosamente isenta de quaisquer valores que não aqueles mensuráveis
tecnicamente em números.
Então, nossas observações,
tão intensivamente realizadas, acabam por se tornarem comentários no conselho
de classe e no registro de fichas na educação infantil. Elas funcionam como se
fora uma avaliação à parte, restrita apenas aos conceitos e objetivos atitudinais.
Professores e professoras
que se atrevem a usá-las como parte da avaliação sistemática, sempre correm o
risco de serem tomados de assalto por suas próprias dúvidas quanto à
honestidade ou validade em usá-las, assim como podem ser questionados se não
estarão “perseguindo alunos” ou sendo “bonzinhos” com outros... Se observamos
que um menino cumpre todas as tarefas, que se esforça em avançar, a despeito de
não conseguir sucesso em provas bimestrais, ao tentarmos valorizar (no sentido
de registrar isso em valores-notas) não é verdade que enfrentaremos
argumentações sobre as exigências posteriores de concursos e vestibulares que o
mesmo menino terá que viver? Não é comum dizermos e ouvirmos professor dizer
que Maria é ótima, atenta, participativa, pena que não desenvolve um trabalho
equivalente ao seu rotineiro comportamento em sala... É pena que João seja tão
estudioso e não alcance a nota equivalente ao seu esforço: não posso fazer nada
porque não posso atribuir nota só porque ele é bonzinho (o bonzinho vira
sinônimo da situação de estudo...)
É claro que também acontece
de se realizar um “julgamento” negativo do aluno: Embora Miguel alcance boas
notas em provas, ele é um menino faltoso, não realiza as tarefas solicitadas,
não trabalha em grupo, não participa da aula... Ou ainda: Jonas é um péssimo
aluno: não participa, não estuda, não “tira” notas boas...
Essas são falas comuns no
nosso cotidiano. São resultantes de nossas competências pedagógicas, que dizem,
legitimamente, de uma avaliação em processo, embora não sejam consideradas tão
legalizadas quando embutidas em nosso avaliar: não traduzimos essas nossas
avaliações, abertamente, em notas. Elas impregnam as notas, mas parecem não
estar lá...
É bem verdade que nossas
subjetividades precisam ser incessantemente interrogadas quanto ao nosso
bem-querer ou mal-querer relativos ao aluno. Contudo, será que não devemos instrumentalizar
essas observações rotineiras, integrando-as ao nosso fazer, não deixando que
permaneçam no limbo de nossas imponderabilidades docentes?
Não tenho pretensão de
apresentar um receituário de como fazer. Mas, gostaria de colocar na roda,
possibilidades de intervenção que podem resultar em registros mais
significativos do agir do menino e da menina, sempre com intuito de deflagrar
novos desdobramentos na tessitura de suas aprendizagens e procedimentos em
busca delas – se é que acreditamos que viver é um permanente processo de
aprender...
Fico imaginando se as
leituras que continuamente insistimos que sejam feitas, impressas em livros
didáticos ou textos que nós – professores e professoras – selecionamos de
outros artefatos de inscrição do conhecimento, não poderiam se entrecruzar com
os textos produzidos por nossos alunos, numa freqüência maior do que aquela
pontual, quase como um pretenso presente para eles... Essa é uma prática pouco
difundida, mesmo no ensino superior, que parece ser objetivo apenas de
tentativas de resumos, sínteses, análises. Estou dizendo de criações: o “dever”
de matemática, elaborado como um texto de português, a partir de um mapa de
Geografia e de uma linha de tempo da história, com elementos das ciências
biológicas, físicas e químicas – como fazer?
Por outro lado, além da
perspectiva interdisciplinar, podemos investir na capacidade de nossos alunos
se fazerem educadores e investigadores ao criarem linhas de fuga dos lugares
comuns, ainda que usando tais lugares comuns como ponto de partida para outras
leituras do mundo que os cerca.
Imagine o menino que brinca
com o Playstation, com um jogo de um tubarão assassino que singra o mar,
absolutamente abaixo do que estamos acostumados a ver. O que sabe ele sobre as
algas, os amontoados de corais, os outros peixes, os crustáceos e o movimento
do peixe que ele comanda? Como o saber sobre aquilo fará com que atue no jogo
ou avalie o jogo? Há um ir e vir que começa como um ensaio-erro, ele segue em
frente com o peixe. Mas, há mapa pequeno e lateral na tela. Como o mapa pode
intensificar o jogo? O que ele revela ao menino que joga? Como ele pode
potencializar seu uso? Se o peixe ataca e mata pessoas, como intervir num
julgamento de valor sobre mortes e assassinatos, discutindo os limites
desvanecidos na sociedade atual – e tão veiculados pela mídia, a qual se
permite tornar assassinatos e roubos como motes para o raciocínio em jogos de
criança e de adolescentes... – a partir do jogo tão atraente quanto
inconseqüente para eles? Será que poderíamos pensar em equivalente jogo, numa
prática de brincadeira de páteo? O que é preciso para torná-lo mais uma
ferramenta de gostar de aprender?
E mais, se o filme sobre a
escola norte-americana estimula a ginástica e a criação de músicas para animar
a torcida, será que as meninas não se envolveriam com equivalentes criações,
porém voltadas para temas da Geografia? Por que só fazemos isto em situações de
feiras, festas e gincanas escolares?
Há outra coisa que
precisamos encarar: como sabem preparar coisas no computador!!! E como o
laboratório de informática pode ser usado, mesmo por quem não domina tanto a
técnica... Há muitas reclamações de falta de acesso à rede nestes laboratóros,
mas há tanta coisa que se pode fazer sem a rede... Reclamamos tanto da falta de
interesse dos alunos, da falta de devers em casa para complementar os
estudos...Por que não usar o computador como ferramenta? Os vídeos produzidos
pelos jovens e crianças são excelentes formas de registro e análise de fatos
geográficos. E com essa ferramenta, sempre usam todo o seu potencial cognitivo
para preparar tarefas.
O jornal, as revistas, as
fotos, a TV também continuam sendo bons artefatos para produção de textos
verbais e imagéticos.
Vamos dar uma espiada no que
nossos alunos estão produzindo?
Marisavalladares
UFES- 2013