sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Música na Geografia

     Numa de suas belas composições, chamada Fantasia, Chico Buarque nos provoca e incentiva: “Canta, canta uma esperança/ Canta, canta uma alegria/ Canta mais [...] Canta a canção do homem/ Canta a canção da vida/ Canta mais/ Trabalhando a terra / Entornando o vinho”.
   É a expressão poética do vínculo da música com as diferentes experiências e práticas humanas nos mais variados lugares do planeta que habitamos, entrecruzando dor e contentamento, pequenez e êxtase, luta e trabalho, desumanização e dignidade.
   Felizmente constatamos que as coleções didáticas recentes de Geografia estão valorizando mais a linguagem musical como um valioso subsídio para o professor favorecer uma melhor aprendizagem discente. O campo de possibilidades, contudo, do emprego da música no ensino da nossa área do conhecimento é vastíssimo, o que implica numa pesquisa e busca permanentes da ampliação do seu uso pelo professor.
   Nos diferentes processos de formação inicial e continuada de professores que temos  participado, emergem os contextos e situações complexos e inusitados que vivenciamos nos cotidianos escolares, nos desafiando a pensar e propor práticas pedagógicas que tornem a escola pública menos seletiva e discriminadora. E a Geografia não pode se ausentar dessa tarefa!
   É nesse sentido que propomos direcionar a nossa ação pedagógica, lançando mão, entre outros procedimentos metodológicos, do uso de uma das criações humanas mais belas e originais: a música!
   A significativa extensão do espaço geográfico brasileiro, por exemplo, comporta uma variedade impressionante de ecossistemas, além de formas plurais de proceder e trabalhar das populações que habitam os múltiplos lugares do território nacional. Similar a essa riqueza natural e humana, a música brasileira, com sua diversidade de ritmos e tendências, fornece aos professores inúmeras possibilidades de análise e problematização das contradições geradas no processo de organização do nosso espaço.
   A singularidade e a riqueza de nossa música, com produções de qualidade em estilos mais específicos ou misturados entre si (samba, rock, sertanejo, rap, funk, regional, hip hop etc), é um recurso que ainda poder ser melhor explorado no ensino de Geografia. Também, se constitui numa estratégia de resistência cultural frente à massificação e homogeneização impostas sobretudo pela mídia, que privilegia a divulgação de certos tipos de músicas de gosto duvidoso, meramente comerciais e, inclusive, preconceituosas.
   A escala de análise geográfica, porém, não deve se restringir somente aos níveis locais, regionais e nacionais, mas igualmente abranger a escala global, oportunizando ao aluno a analogia entre diferentes lugares do espaço globalizado, potencializando uma leitura plurifacetada e complexa das paisagens em seus elementos sociais, culturais e naturais.
   Defendemos aqui, também, o uso de músicas em outros idiomas, valorizando ainda mais as diferentes expressões dessa linguagem artística, ampliando o leque de opções para o professor trabalhar múltiplas questões geográficas. Conhecemos, inclusive, a experiência de uma colega de área que utiliza a música instrumental, de ritmo mais relaxante e introspectivo, como forma de enfrentamento da indisciplina e da falta de concentração dos alunos nas atividades escolares.
   Portanto, o emprego da música no ensino de Geografia pode ser uma valiosa ferramenta na mediação docente. Seja como motivação inicial na introdução de um assunto ou na sua conclusão, nas atividades de fixação/reflexão no cotidiano da sala de aula, nas avaliações individuais, nos trabalhos em grupos etc, articulando de modo exitoso os saberesfazeres dos alunos com os saberesfazeres no âmbito da produção científica geográfica. Um sem número de canções nacionais e estrangeiras estão ao nosso dispor, narrando e refletindo práticas e experiências, vivências em diferentes espaços-tempos, relacionadas às questões de gênero, raça e etnia, trabalho e consumo, meio ambiente e tantas outras.
   Como acentua o ditado popular: “Quem canta, seus males espanta!”. No caso do ensino de Geografia, podemos, por meio da música, tentar “espantar” tantos aspectos desfavoráveis presentes nos cotidianos de nossas salas de aula: a apatia e desmotivação dos alunos, a aprendizagem insuficiente, o desinteresse pela nossa área do conhecimento, entre outros. É a provocação que Chico Buarque nos lança: “Canta, canta uma esperança”!

JOSÉ AMÉRICO CARARO